O tema em epígrafe resultou da dedicação e vontade de obter mais conhecimento da história da nossa Terra, através de pesquisas locais e/ou documentais, por parte dos jovens André Lopes e Nelson Mota, que há vários anos lutam para o despertar do interesse por trabalhos arqueológicos em Ota, convictos da riqueza da nossa Freguesia, na matéria.
O historial abaixo descrito foi obtido na Biblioteca Municipal de Alenquer, pelos referidos jovens, numa das suas diversas pesquisas documentais.
Não foi possível saber a data exacta do documento, mas concretamente verifica-se ser posterior a Julho de 1991.
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ARQUEOLOGIA DA OTA (ALENQUER)
Prof. Dr. Manuel Farinha dos Santos
Entre a Câmara Municipal de Alenquer e o Centro de Estudos de Arqueologia da Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões” foi celebrado em Julho de 1991, um protocolo destinado a defendera, investigar e divulgar o património arqueológico de Alenquer.
No âmbito destas actividades, o signatário foi convidado para aqui falar sobre o mais remoto passado de Ota, o que muito lhe apraz.
Segundo alguns filólogos, a palavra Ota deriva do topónimo árabe Oata, que significa terras baixas, o que está de acordo com a orografia da sua vasta charneca.
Para melhor perspectivar a história desta freguesia, dedicar-lhe-emos os seguintes temas: considerações pontuais sobre a sua existência, a partir dos primórdios da nacionalidade, contribuição dos eólicos ali recolhidos para resolver a problemática do Homem Terciário; o povoado fortificado da Ota e outras estações arqueológicas da freguesia.
Acontece que a Ota, além de se integrar na elevação histórica do nosso País; apresenta peculiaridades próprias, designadamente as seguintes: doada em 1193 por Sancho I, ao Mosteiro de Alcobaça permaneceu coutada até 1820, como atestam vários documentos designadamente de Manuel I e Filipe II, protegidas as suas matas de caçadores e visitantes, foi durante séculos refúgio de animais selvagens e de salteadores; as águas estagnadas do seu paul provocavam em certas épocas surtos epidémicos, com febres intermináveis, aos seus habitantes, como recorda o adágio:
“Deus nos livre das sezões da Ota;
E da justiça de Alenquer
Guarde Deus a nossa porta”
Ao longo de séculos a sua densidade demográfica foi reduzida, devido ao ambiente doente desta micro-região mas no tempo de D. Maria I, com a abertura da estrada real do Carregado ao Porto, desenvolveu-se a partir do 2.º quartel do século XIX tornou-se frequentada por caçadores que percorriam em época própria a vasta planura até ao Monte Redondo.
Assim em 1758, nas Memórias Paroquiais, o Pe. Abreu deu notícia de uma área agricultada com abundância de trigo, cevada, milho grosso, legumes e olivais, com uma légua de extensão e da estéril charneca com comprimento de 1 légua de largura. Os seus agricultores dedicaram-se, também à cultura do arroz; mas tal actividade foi substituída, nas áreas férteis.
Como muitas outras localidades de Portugal, esta povoação foi saqueada e destruída, pelo fogo, quando das invasões francesas.
Quando deambulavam pela Estremadura, durante os primeiros anos da década de sessenta do século XIX, Carlos Ribeiro recolheu nesta freguesia, em terrenos que classificou do Quaternário, peças de sílex, talhadas por trabalho humano.
Mais tarde, em 1871, influenciado pelas descobertas do Padre Bourgeois, em França, passou a designar tais solos como terciários e adoptando a terminologia daquele sacerdote chamou a estes objectos de pedra eólitos (i.e. pedras da aurora dos tempos). Quando do 6.º Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas realizado, em 1872, em Bruxelas apresentou ali uma colecção de eólitos, classificando-os do Terciário e pretendendo com eles provar a existência humana em tão recuada época como foi o Miocénico. Na ocasião a maioria dos arqueólogos participantes nesse congresso negaram tal classificação válida para uma única peça.
No decorrer desses anos e até à sua morte em 1882 Carlos Ribeiro foi autêntico eólitomaniaco aproveitando as ocasiões propícias para divulgar a existência de um pré-histórico anterior ao Paleolítico, então considerado como mais antigo.
O êxito da sua persistente acção, em especial na Exposição Internacional de Paris, de 1878, levou o Congresso Internacional em referência a marcar a sessão de 1880 para Lisboa, com o especial propósito de examinar, no próprio local, as jazidas de Ota, onde foram recolhidas tais peças líticas.
No programa do congresso de 1880 consta, à cabeça, a questão de discutir se haverá provas de existência do Homem em Portugal durante a era terciária e entre as visitas uma foi dedicada às áreas arqueológicas entre Alenquer, Ota e Azambuja.
Participaram neste Congresso representantes da Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Hungria, Itália, Rússia, Suécia e suíça, num total de 71 arqueólogos e geólogos estrangeiros, praticamente todo o escol científico europeu nesta área do saber, Portugueses foram 87 participantes.
Não é oportuno referir os altos momentos desta reunião internacional que o signatário já referiu em publicação anterior e constam das respectivas actas.
No discurso de abertura do Congresso Andrade corvo, seu presidente referiu que uma questão tão grave como o Homem terciário exigia prudência.
Segundo consta o respectivo calendário, publicado nas actas do Congresso, após a recepção a 19 e a sessão de abertura a 20, a segunda sessão de 21 de Setembro foi dedicada ao Terciário com a nomeação da Comissão destinada a apresentar as peças de sílex, a leitura de uma comunicação de Carlos Ribeiro sobre o Homem Terciário em Portugal, discussão da mesma por Mortillet, Evans e Capellini e visita às colecções do Museu de Geologia e Antropologia da Sociedade de trabalhos geológicos.
Interessa principalmente descrever a visita a Ota de cerca de 150 cientistas no dia 22 de Setembro de 1880.
Viajaram de comboio até ao Carregado onde Carlos Ribeiro lhes mostrou um corte do terreno terciário.
Este último teve de retirar-se pouco depois para Lisboa, por motivo de doença e não os acompanhou à Ota onde chegaram cerca das 9 horas numa “vintena” de carros. Em seguida foram conduzidos ao Monte Redondo, montanha do Jurássico com 212m de altura, cujos arredores prospectaram durante o resto da manhã. Em frente desta montanha serviram-lhes o almoço em vasta tenda preparada para o efeito e às 13 horas partiram em direcção à colina do Archino, aonde, ao longo de 4,5Km, examinaram as camadas de um profundo corte, verificando a sobreposição de diversos estratos miocénicos. A localidade de Azambuja não foi visitada por falta de tempo. Perto das 18 horas chegaram ao Carregado de onde regressaram, de comboio a Lisboa.
Nessa excursão foram recolhidas numerosas peças resultantes de lascas e outros parecendo núcleos, mas só uma, achada por Belluci, na presença de Catailhai, Cazelas e Vilanova, foi considerada com talhe internacional.
No decorrer desses trabalhos a maioria desse arqueólogos e geólogos estrangeiros nega a autenticidade das peças como sendo preparadas por trabalho humano, não havendo possibilidade de se chegar a um consenso e depois de várias intervenções não concluentes o problema foi remetido, habilidosamente para o Congresso seguinte, pairando no ar de descrença generalizada.
Para sermos mais directos: um verdadeiro fiasco… par o que muito contribuiu a ausência de Carlos Ribeiro na excursão da Ota…
Falecido Carlos Ribeiro em 1882, a teoria dos eólitos terciários teve continuadores em Portugal e no estrangeiro.
A apresentação de eólitos, em 1887, encontrados na Inglaterra (Prestwich) e na Índia seguiram-se os trabalhos consagrados de Rutot, na Bélgica e de Mortillet em França que identificaram um período eólitico anterior ao Paleolítico e a abarcar grande parte do Terciário.
À falta de melhores provas, consideraram do período eolitico numerosos objectos líticos de sílex, quatzito e quatzo, com aproveitamento depois de retocados.
Em Portugal outros arqueólogos seguiram as pisadas de Carlos Ribeiro como aconteceu com Nery Delgado que levou ao Congresso Internacional de Paris, em 1889 a comunicação “Os sílex terciários da Ota e José Fortes dedicou ao mesmo tema o artigo publicado em 1905 no Boletim da Sociedade Pré-Histórica Francesa com título “Os eólitos em Portugal”.
A estes estudos sucederam-se um pouco por toda a parte nas primeiras 3 décadas do século XX.
Ainda em Portugal, o aparecimento em 1925 das Lages (Ota) de ossos humanos e sílices talhadas deu lugar a que Mendes Correia, acompanhado de Joaquim Santos Júnior estudasse o que considerou uma sepultura do Neolítico antigo e aproveitando a estadia na Ota recolhesse eólitos no cabeço da Quinta das Lages e em vales destinados à colocação de tubos de água. Mendes Correia defendeu, na ocasião, a teoria de eólitos.
Em 1942, Breuil e Zbyssewski publicaram uma revisão dos chamados eólitos terciários recolhidos por Carlos Ribeiro, na Ota, e chegaram à conclusão que grande parte dos mesmos resultaram de acções naturais como o fogo, a pressão do solo, as acções atmosféricas e tectónicas, a solifluxão ou e acidentes com recentes pancadas de carroças ou de charruas. Além disso admitiram que à volta do Monte Redondo existem dois níveis quaternários em que existem, dispersamente, instrumentos de sílex, quartzo e qartzio do Paleolítico, acabando por concluir que uma parte das peças recolhidas por Carlos Ribeiro, como eólitos terciários é, sem dúvida, trabalhada, mas do Quaternário distribuindo-se por um vasto leque de indústrias do Acheulense à Idade dos Metais.
Estes dois arqueólogos concluíram que a “teoria dos eólitos” se deve a erros de interpretação na tipologia dos instrumentos líticos e na classificação dos sedimentos onde foram recolhidos.
Ao signatário não parece que o problema dos “eólitos” tenha ficado resolvido com a singela opinião destes dois eminentes homens de Ciência a quem a Arqueologia Portuguesa tanto deve.
Achados antropológicos e líticos das últimas décadas, verdadeiramente revolucionários, podem vir a dar razão a Carlos Ribeiro, fazendo justiça à tão contestada teoria do Homem terciário que obcecadamente partilhou.
O Concelho de Alenquer, a que esta freguesia pertence, possui 71 jazidas arqueológicas assim distribuídas: 20 dp Paleolítico, 5 do Epipaleolítico, 27 do Neolítico e do Calcolítico, 6 com representação da Idade Média e 3 cavidades subterrâneas com espólio arqueológico.
Alguns destes locais foram identificados por Carlos Ribeiro, conhecido como o pai da Pré-História Portuguesa, mas a descoberta da maioria deve-se a Hipólito Cabaço, insigne arqueólogo da região.
Na freguesia de Ota foram descobertos importantes testemunhos arqueológicos, a maioria apenas identificados ou sondados, a exigir uma exploração sistemática e exaustiva.
Assim, entre os colitos recolhidos por Carlos Ribeiro existem peças da Charneca do Ajoujo, da Quinta da Ota e o Chão da Torre.
As restantes jazidas, a seguir mencionadas, por épocas, foram quase todas descobertas por Hipólito Cabaço.
Paleolítico inferior – Vale das Lages, Casal do Espírito Santo, Casal do Buteco, Caverna da Moura, Quinta do Vale e Espinhaço de Cão
Epipaleolítico – Vale das Lages
Neolítico – Castelo da Ota
Calcolítico – Castelo da Ota, Vale das Lages
Idade do Bronze – Castelo da Ota
Idade do Ferro – Castelo da Ota
Romano – Castelo da Ota
Cavidades subterrâneos e abrigos, com níveis arqueológicos inéditos
Grutas do Vale dos Olhos de Água, pequenas e secas, do Vale à Atouguia das Cabras; Algarve da Figueira mais ou menos a.c. 5km a N de Alenquer; Algarve da Vaca Danada (perto da anterior); Caverna da Moura.
A verdadeira história da freguesia da Ota (Alenquer), está conservada no arquivo da Terra.
Só as ruínas do povoado fortificado, a.c. de 185m de altitude, contêm testemunhos de 5 milénios do Neolítico até ao domínio muçulmano.
Erguendo-se no cimo de uma elevação jurássica e inacessível nas encostas abruptas do N.,S. e E, era penetrável bastião, no extremo S., o defendiam.
Identificam-se, até agora, intra-muros deste povoado, restos de casas de plantas circular e rectangular e nas sondagens ali efectuadas recolhe Hipólito Cabaço valioso espólio arqueológico de várias épocas.