Analice Silva |
O Mundo do Running português chora a morte de Analice Silva
Na corrida do Mirante - Ota, foi uma assídua participante, mantendo sempre uma excelente disposição que granjeou a admiração e estima geral.
Que a sua alma descanse em paz.
Transcrições diversas
Fevereiro 23, 2017
Autor: Ana Maria de Freitas
A vida é uma dura ultramaratona! Começamos bem pequeninos a correr pela casa… atrás da mãe, do pai, daqueles que nos amam e que nos envolvem no seu amor, no seu carinho, nos seus braços. Vamos querendo mais e corremos na praia, nos jardins, nas montanhas, nos caminhos que a vida nos vai mostrando. Mas as nossas pernas ainda querem mais, o nosso coração e a nossa mente anseiam pelo desconhecido, pelos trilhos mais complicados, pela dureza de conquistar serras, montes, águas geladas que nos fazem tremer, campos verdejantes que emanam aromas que despertam os nossos sentidos, que nos envolvem com a sua brisa fresca que suavemente nos acaricia a face.
A Analice viveu tudo isto… chorou pela
dor das pernas, chorou pela alegria da conquista do que parecia
impossível, conquistou trilhos, e trilhos, derrubou montes de areia e no
meio da dor, do calor, do frio, da dureza fez o melhor que qualquer ser
maravilhoso consegue fazer. Conquistou corações, todos os corações que
com ela se cruzaram na vida. Mas o coração também se cansa…
Analice… pela pessoa maravilhosa que
foste, pela simplicidade dos teus gestos, das tuas palavras, descansa o
teu coração de guerreira para sempre. A tua força estará sempre presente
nas nossas pernas e nos nossos corações.
Fevereiro 23, 2017
Autor: Ana Maria de Freitas
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A incrível e comovente história de Analice Silva
Por: O Arrumadinho
Em
criança foi abandonada pela família. Trabalhou como escrava até se
casar. Fugiu do marido, grávida, porque ele foi violento. Aos 37 anos
deixou de fumar e começou a correr. Hoje, com 68 anos, acha as maratonas
demasiado fáceis, por isso prefere provas com mais de 100 quilómetros.
Eram
23h55 do dia 31 de Dezembro de 1980 quando Analice Silva, 37 anos,
apagou pela última vez um cigarro. Dias antes, o jornal que passeava de
mesa em mesa no café onde trabalhava, no Rio de Janeiro, noticiara que
os pulmões de um fumador necessitam de dez anos de repouso até voltarem a
ter saúde. “Dez anos é muito tempo. Fiquei assustada. Então achei que a
única maneira de voltar a ter os meus pulmões cor-de-rosa era correndo.
E comecei logo nessa noite”. Nessa passagem de ano, Alice calçava uns
chinelos e vestia um macacão curto, de calções e alças. Mesmo assim,
desceu até ao calçadão de Copacabana e começou a correr. Foi do Leme até
ao Arpoador e voltou. Depois repetiu. “Fiz 16 quilómetros. Foi a
primeira vez que corri na vida. Fiquei toda partidinha”, conta.
Analice
Silva, hoje com 68 anos, vive num pequeno apartamento em Odivelas com o
gato Kikas, que trata por “meu filho”, tem uma reforma de 272 euros,
cuida de um senhor de idade para ganhar mais algum dinheiro e continua a
correr. Mas já se deixou de aventuras de 16 ou 20 quilómetros. O mínimo
que faz, para lhe dar algum prazer, são maratonas. E mesmo essas já são
“demasiado fáceis”.
“Tenho
muita pena de nunca ter contado os quilómetros que já fiz na vida. De
certeza que estava no Guiness”. Provas de 100 km de estrada já fez 22.
“As de 100 km de montanha foram muitas mais, mas já perdi a conta”. Nos
últimos três anos fez por três vezes Os Caminhos do Tejo, corridas de
146 km. Foi também a Espanha correr provas de 167 km, subiu do Alhambra à
Serra Nevada (50 km, sempre a subir), fez Lisboa-Mação (254 km). A
maior prova em que entrou na vida foi a Volta ao Minho (385 km).
Maratonas e meias-maratonas já foram tantas que nem entram nas contas.
Até aos 70 anos, ainda quer correr muito. E gostava de ainda conseguir
cumprir o maior sonho da vida: participar na Maratona dos Sabres, uma
prova de 243 km pelo deserto do Sahara, em Marrocos. “É um sonho. É o
meu sonho. Sei que não vai acontecer, porque é uma prova muito cara, não
tenho dinheiro e ninguém quer patrocinar uma velha. Mas enquanto for
viva vou ter esperança”.
Esperança
é o nome da vila onde Analice nasceu, em Paraíba, nordeste do Brasil.
“Tive seis irmãos, mas quatro morreram. Só fiquei eu e a minha irmã mais
nova”. Numa casa “com falta de amor”, não foi feliz. Com três anos, o
pai entregou-a a uma senhora que vivia na cidade mais próxima, Campina
Grande. Foi ela que fez de Analice a sua escrava. “Eu fazia tudo o que
havia para fazer, desde os três ou quatro anos de idade. Cuidava de
bebés e aguentava o trabalho de roça, ou quinta, como se diz aqui em
Portugal. Era escravatura, mesmo”. A única coisa que recebia era uma
cama. “Comida só mesmo quando havia”. Ainda hoje se lembra de ter ficado
de castigo porque um dia comeu um pedaço de pão sem pedir autorização.
“Era gente pobre armada em rica, que queria ter criados, mas que não
podia pagar. E então tinha escravos”.
Acabou
por ser devolvida à família aos oito anos. Encontrou a mesma casa de
onde saíra. “Não havia aconchego, só violência. E então fugi”. Meteu-se
num autocarro e foi até ao Recife, onde continuou a fazer trabalho
escravo, sem receber salário. Até ao dia em que conheceu Evandro, um
pescador de lagosta de Recife por quem se apaixonou. “Antes de nos
casarmos, disse-lhe que tolerava tudo no casamento, menos porrada”.
Evandro aceitou a condição e levou-a à letra. “Ele estourava todo o
dinheiro que ganhava em meninas e bebida. Mas eu fechava os olhos, desde
que ele não me batesse”. A paz durou pouco. Estavam casados há seis
meses quando uma discussão terminou mal. “Ele deu-me um empurrão. Nem
foi uma coisa muito violenta, mas foi em frente a uma vizinha. Se fosse
em nossa casa, se calhar perdoava, mas por ter sido em frente a outra
pessoa fiquei com tanta raiva, tanta vergonha, que me fui embora”.
Analice revirou o colchão onde o marido guardava o dinheiro e tirou o
suficiente para o bilhete de autocarro até ao Rio de Janeiro. “Foram
oito dias de viagem, por estradas de asfalto. Passei tanto frio e tanta
fome que só eu sei”.
Chegou
ao Rio quase sem dinheiro, sem família ou amigos. “Comprei um jornal e
comecei a ver os anúncios de emprego”. Arranjei trabalho em casa de umas
pessoas a fazer o que sempre fiz, limpeza, cuidar de crianças, tudo”.
Ao fim de umas semanas percebeu algo de diferente no seu corpo. Estava
grávida. “Não fazia ideia que tinha engravidado no Recife. Mas não
contei nada ao meu marido. Ele nem sabia que eu estava no Rio.
Deixei-lhe um bilhete a dizer que tinha ido para norte, e vim para sul,
para ele não me procurar”.
A
gravidez levava sete meses quando a criança deu sinal de querer nascer.
Analice foi para o hospital, fizeram-lhe o parto mas o bebé nasceu
morto. “Hoje, acho até que foi uma sorte. Eu não podia ter uma criança
naquelas condições. Para quê? Para virar um malandro?”. Nunca mais quis
ter filhos. Nem quando se apaixonou por Júlio, um boliviano “muito
decente” com quem foi feliz durante nove anos. Com emprego durante o
dia, estabilidade em casa, Analice aproveitou a noite para estudar e
tirar o ensino primário. “Foi já nos anos 70. Sabia que sendo analfabeta
não ia conseguir muita coisa, por isso estudei”.
Até
que chegou a tal passagem de 1980, a do último cigarro e da primeira
corrida. Dia 1 de Janeiro correu novamente no calçadão, outra vez à
noite. Dia 2 também. E em todos os outros dias do mês. Foi outra notícia
de jornal que a fez levar a corrida mais a sério. “Eu li no jornal:
Corrida feminina Avon. E decidi participar. Fui lá e ganhei uma medalha e
uma camiseta. Achei que era uma campeã. Uns dias depois, foi a corrida
do Corcovado. Mais uma medalha e outra camiseta. E no mês seguinte fiz a
primeira meia-maratona. Demorei três horas”, recorda Analice, soltando
uma gargalhada.
Um
ano depois, chegaram a maratona e a primeira prova de 100 quilómetros,
entre Uberlândia e Uberaba, em montanha, sempre a subir e a descer.
“Venci essa prova e fiz 11h42m, que passou a ser recorde sul-americano. E
foi durante muito tempo. Nos três anos seguintes ganhei sempre essa
corrida”.
Analice
começou então a olhar para o calendário internacional de provas. Queria
fazer a sua quinta corrida de 100 quilómetros no estrangeiro. Viu que
havia uma em Santander, Espanha. “Fui lá e ganhei. Depois já não quis
voltar para o Brasil. Fui para Madrid, procurei o consulado brasileiro e
foi o embaixador que me deu o dinheiro para eu vir para Lisboa”.
Analice
chegou a Portugal em finais de 1986. Só conhecia uma pessoa, Eugénia
Gaita, uma corredora amadora que era enfermeira no Hospital de São José.
Arranjou emprego em casa de um casal na Av. João XXI, em Lisboa. “Era
como no Brasil — não ganhava. Trabalhava para ter comida e sítio onde
dormir”. Sem tempo para treinar, Analice arranjou um recurso. “Como o
prédio da casa onde trabalhava tinha sete andares, subia e descia as
escadas durante três horas seguidas. Dava para treinar”. Nos dias mais
calmos, conseguia ir até ao estádio do Inatel onde ficava a dar voltas à
pista até contabilizar 50 quilómetros. Nos dias de descanso ia de
transportes até ao Cais do Sodré e corria até Cascais, e voltava. Ou
então apanhava um autocarro para Setúbal, e atravessava a Arrábida até
Sesimbra. “Eu não saía de casa para correr menos de três horas. Isso não
é treino”.
Hoje,
Analice já não treina. Só corre provas. Nunca está doente e só se
chateia com as crises de ciática, que vão e voltam. Quer correr até ao
dia 20 de Dezembro de 2013, quando fizer 70 anos. “Acho que já chega.
Mas se calhar quando chegar a altura vou achar que sou mais feliz se
continuar a correr”.
Quando corri a maratona 100 Maratonas, 100 Amigos Analice ficou à minha frente. Agora, na meia, vinguei-me. Muahahahahaha
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Na 12.ª Corrida do Mirante, Analice Silva recebeu da Junta de Freguesia de Ota a placa exibida na imagem abaixo:
Analice, com o dorsal da Corrida
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