Pedro Santos Guerreiro
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O salário? Corta. A pensão? Reduz. O contrato? Rasga. O emprego? Despede. A dívida? Adia. O certificado? Já não certifica.
Todas  as certezas se estão a relativizar. Afinal, até o ferro se liquidifica,  é apenas uma questão de temperatura. E o calor está de estoirar  termómetros.
A Europa não  perdeu a cabeça porque não se pode perder o que já não se tem. E os  portugueses já perceberam que, se querem cumprimentar os seus chefes,  têm de começar a aprender nomes alemães. É preciso aprender mais este: Wolfgang Schaeuble. É o ministro das Finanças de Angela Merkel e, ontem, quebrou um tabu: admitiu a necessidade de reestruturar a dívida pública da Grécia. E assim incendiou os mercados.     Reestruturar a dívida é uma maneira educada de dizer que não se  consegue pagá-la. Primeiro aumenta-se o prazo de pagamento (tal como  muitos portugueses fizeram com o seu crédito à habitação). Depois... bom, depois há várias formas de fazer perdões de dívidas. Eis o tabu para a Grécia, para a Irlanda... e para Portugal: conseguiremos algum dia pagar o que devemos?
O  que Schaeuble disse ontem não era impensável, era apenas indizível. As  opiniões públicas europeias (como a alemã ou a finlandesa) não estão  disponíveis para "hair cuts" (que na prática significam perdões de  dívida) ou de empréstimos que subsidiam, pela baixa taxa de juro ou pelo  elevado prazo, os países falhados. Mas esse é um cenário que temos pela  frente.     Mesmo vendendo "tudo" o que temos, através de privatizações, e  reduzindo drasticamente o consumo e o crédito da banca, precisamos de  tempo para reduzir o volume de endividamento. Mesmo o empréstimo da  missão externa é, ainda assim, um empréstimo. É preciso pagá-lo.
A  necessidade eventual de rever as condições de resgate de certificados  de Aforro e de Tesouro é, apenas, mais uma das medidas de excepção. O  dramatismo actual leva a que tudo o que dávamos por adquirido seja posto  em causa. Começou pelos salários no Estado, já se agendaram as pensões mas não se vai ficar apenas pelos que não têm poder de contestar.     Aprendemos no último ano que a austeridade também tem a uma cadeia  alimentar: primeiro mastigam-se os mais fracos e apenas se rosna aos  mais fortes. Os funcionários públicos, os trabalhadores por conta de  outrem e os consumidores foram já a carne para canhão. Mas é preciso ir  ao osso também dos lobbies e dos grupos de interesse.   Anulou-se meio TGV? A Mota-Engil processa. Anula-se o outro meio? Processa a Soares da Costa.  Estão cobertas de razão. Mas os advogados mandam menos que os  políticos. E os políticos têm de rever estes contratos com a mesma  crueldade com que reviram os dos funcionários do Estado para lhes cortar  salários.     O Estado deixa de ser paternalista mas continuará a agir como pai: um  pai tirano. Com a mesma necessidade com que pedem ajuda para pagar as  dívidas. Ou com a mesma urgência com que vão ter de rever as parcerias  público-privadas. Rendibilidades de 12%?! Baixa para metade. Se não  gostam, processem.     Os funcionários públicos, os pensionistas e os contribuintes não podem  ser os únicos a pagar as facturas. É preciso entrar nos lobbies,  económicos e políticos. Nas PPP. Nas empresas do Estado, nos institutos,  nas fundações, nas empresas com monopólios protegidos. Sim, vamos  chegar aos poisos de "boys" e aos financiadores dos partidos. Afinal, o FMI não é um saco de dinheiro nem um saco de pancada. Também está cá para isto.
Observação pessoal: Relativamente à acção do FMI, são diversos os factos que contribuem para o cépticismo.


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